Terminado o mês de agosto, a Secretaria Estadual de Saúde de Santa Catarina fez correções na base de dados usada como referência para acompanhar a evolução da Covid-19 no estado. De acordo com a superintendente de vigilância em Saúde, Raquel Bittencourt, o sistema não fazia a correspondência de certos registros com a realidade e entendia como duplicidade algumas informações que não se enquadravam nos critérios de programação. De acordo com a superintendente, a correção envolvia um acréscimo de 32.882 novos casos, mas o boletim do dia 31 trouxe 30.913.
De acordo com os órgãos oficiais, os problemas estão sanados. O painel com informações atualizadas foi também modificado. Passa a contar com o detalhamento no registro de óbitos, demanda sentida pelos jornalistas, e um conjunto mais amplo de dados. Visualmente, os números deveriam permitir interpretações atualizadas a respeito de como o vírus SARS Cov-2 se comporta em Santa Catarina.
Usados como uma espécie de prestação de contas, esses painéis constituem um meio de comunicação entre os órgãos de Estado e os interessados em monitorar os casos de Covid-19. Para dar mais transparência ainda, os arquivos com metadados, os dados brutos contendo todos os registros, também são disponibilizados para pesquisadores e interessados em fazer análises mais aprofundadas, como jornalista de dados. E é aí que começa o problema.
Em Santa Catarina, depois das correções feitas pela Secretaria Estadual de Saúde, ainda se observa inconsistências no registro das informações contidas nos arquivos de metadados. Há uma discrepância entre os dados divulgados pelos municípios e os do governo estadual. Peguemos Florianópolis como exemplo. Às 10:50h de terça, 01 de setembro, o painel da prefeitura registrava 10.690 casos confirmados no município, com dados atualizados no dia.

Já o Painel do Governo do Estado, atualizado no dia anterior com as correções divulgadas pela secretaria estadual de Saúde, no mesmo horário, registrava 11.118 casos no município. Fica ainda mais complicado quando fazemos as comparações nas bases de dados fornecidas pelos dois governos. Os registros, inclusive, não seguem um mesmo padrão. É preciso conhecimento especializado e um entendimento bastante aprofundado a respeito dos critérios de garimpagem de dados para se fazer comparações que mostrem as razões de discrepância.

Nova leitura do arquivo de metadados atualizado diariamente pela secretaria estadual de Saúde mostra que os problemas não estão sanados e exigem uma atenção redobrada sobre as informações que transparecem nos painéis. Primeiro, quem acompanha os dados desde o início da pandemia e procura confrontar os boletins diários divulgados pela assessoria de imprensa do Governo do Estado com os metadados, percebe que há inconsistências que se mantêm ao longo do tempo, o que evidencia falta de cuidado com os números.
Para efeito de ilustração, há semanas o município de São Cristóvão do Sul, na macrorregião de Saúde Meio Oeste e Serra, consta no boletim como tendo um único caso, mesmo contabilizando duas mortes. O boletim de 31 de agosto persiste no erro de informação. De acordo com os registros no arquivo de metadados, confirmados no painel, o município em questão tem 73 casos confirmados, já com as correções anunciadas pela superintendência de vigilância.
Boletim diário do Governo do Estado – na página 8, o registro errado de São Caetano do Sul
Uma das informações relevantes para se determinar políticas de acompanhamento e controle da pandemia, os casos por faixa etária são evidenciados no painel do Governo do Estado. Os registros por idade são distribuídos por faixas de dez em dez anos. Os confirmados em pessoas com mais de 90 anos apresentam problemas. Para se ter uma ideia, há registros de
- dois casos com 104 anos,
- três com 106,
- dois com 107,
- dois com 108,
- um com 109,
- três com 120,
- um com 136,
- um com 260,
- um com 329,
- um com 370 e
- um com 5231 anos de idade.
Consideramos aqui que os casos com até 102 anos não precisariam de checagem. Ainda assim, há registros obviamente incorretos na listagem. Especialmente os que mostram casos acima dos 120 anos, num total de pelo menos oito contabilizados na faixa etária acima dos 90 anos que precisariam de conferência. Além desses dados, há outros registros ainda mais estranhos. Aparecem no arquivo de metadados disponibilizado em 31 de agosto, já com as correções portanto, sete registros com idade negativa:
- um com -7979 anos,
- um com -7181,
- um com -937,
- um com -175,
- um com -127,
- um com -87 e
- um com -9 anos de idade.
Dados abertos têm mesmo essa configuração. O processo de garimpagem fica por conta de quem precisa analisá-los. Contudo, os dados disponibilizados pelos órgãos de saúde atendem ao monitoramento oficial, que depende de informações precisas para implementar medidas sanitárias de acordo com a evolução da doença. Não se trata apenas de prestação de contas. Como as informações estão em um painel público, seria de se esperar que as informações já tivessem um tratamento adequado para garantir credibilidade.
Segundo o boletim atualizado pela secretaria estadual de Saúde, os números acrescentados foram distribuídos de acordo com as datas de quando os registros deveriam ser contabilizados. Estatisticamente, essa decisão impõe uma mudança drástica nas análises já feitas, uma vez que os dados para trás precisam ser revistos. O problema é que o Ministério da Saúde também conta com essas atualizações de Santa Catarina e não tem como fazer o mesmo procedimento.
O Governo Federal usa uma outra base de dados, também disponibilizada para análise, com critérios bastante diferentes de registros. No dia 31 de agosto, por exemplo, o número de casos diários registrados pelo Ministério da Saúde foi de 45.961. Só o estado de Santa Catarina é responsável por 67% deles por causa das correções.
Mesmo quando se favorece dela para justificar ações no âmbito político e da saúde pública, as autoridades públicas parecem desprezar a Ciência. Além das subnotificações, da falta de testes e da falta de uma coordenação nacional para adoção de medidas sanitárias planejadas de acordo com cada região, no caso do novo coronavírus o país carece também de números mais precisos. Como alertava Marcelo Viana, diretor do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), já em maio, falta refinamento no uso e no tratamento dos dados sobre a Covid-19 no Brasil.
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