Ao tomar posse durante a pandemia, Milton Ribeiro tem sido discreto diante das decisões econômicas do governo (fotos: Agência Brasil)

Educação Conectada é um programa do Governo Federal com a finalidade de ampliar a infraestrutura de internet, oferecer recursos educacionais digitais às escolas e garantir oportunidades de formação a professores e gestores, especialmente no que diz respeito à tecnologia, na rede pública de Educação Básica. Tem dotação orçamentária de R$ 197,4 milhões para este ano e grande importância na implantação de ações para dar às escolas públicas condições de acesso ao ensino remoto.

Suspensas desde o final de março em função da crise sanitária provocada pelo novo coronavírus, as aulas presenciais vêm sendo substituídas por sistemas remotos nos quais as atividades incluem principalmente aulas expositivas, mas também oferecem oportunidades de acesso a informações diversificadas sobre temas inerentes aos conteúdos lecionados e a adoção de metodologias ativas para despertar o interesse nos estudos. Trata-se de uma medida emergencial que amplia a carga horária de trabalho do professor, tende a reproduzir os encontros presenciais se não forem pensados com estratégias diferentes e colocam a gestão educacional no centro do problema.

Desigual em estrutura, o sistema educacional brasileiro não estava preparado para as drásticas mudanças no modelo de ensino. Escolas públicas, em sua absoluta maioria, estão longe de atender à demanda por ensino remoto, seja em disponibilidade de recursos, preparação de professores ou mesmo condições de oferecer aos estudantes ambiente adequado. Na outra ponta, os estudantes dessas escolas, também na absoluta maioria, não têm recursos próprios para o acesso às aulas. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 18,7 milhões de estudantes entre 6 e 29 anos ficaram sem atividade em julho.

Divulgado na terça-feira, 8 de setembro, pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o relatório Education at a Glance de 2020 traz perspectivas pouco animadoras para a economia diante do hiato provocado pela pandemia na formação de pessoas em todo o mundo. De acordo com o estudo, até o final da década, as perdas em produtividade devem impactar relativamente, em média, 1,5% do PIB mundial. Trocando em miúdos, a economia mundial vai encolher e as desigualdades tendem a aumentar.

Como alternativa, a OCDE aconselha uma coordenação entre autoridades de diferentes níveis governamentais na Educação e na Saúde para a retomada das atividades presenciais, justamente para que se evite novas interrupções abruptas nas relações entre ensino e aprendizagem, já bastante prejudiciais no desenvolvimento de habilidades consideradas essenciais para a retomada da economia em níveis mais altos. Além, é claro, da adoção de estratégias mais eficientes no uso de tecnologias. E esse é o dilema do Brasil.

O programa Educação Conectada é um exemplo bastante fiel de como tem sido tratada a Educação no país. Para se ter uma noção, não houve, até junho, o empenho de um centavo sequer do valor orçado para este ano. Os R$ 197,4 milhões estão intocados, justamente num momento em que as escolas públicas dependem de recursos digitais e redes de conexão eficientes para atender a todos os estudantes. Como sabemos, a dotação orçamentária é a garantia da disponibilidade do dinheiro e o empenho é o primeiro passo para o pagamento da despesa.

Apenas em julho o Ministério da Educação publicou em Diário Oficial novos critérios para o repasse de recursos financeiros ao programa Educação Conectada. Mas esse não é o único negligenciado pelo MEC ao longo desse ano e meio de governo. Com a finalidade de diminuir a evasão escolar e ajudar instituições em “vulnerabilidade social”, o Ensino Médio em Tempo Integral, com dotação de R$ 860,9 milhões neste ano, também não teve despesas empenhadas. Outro montante intocado no orçamento do MEC.

Só 22% das despesas discricionárias foram pagas pelo ministério no primeiro semestre de 2020. Isso significa que o orçamento destinado para políticas públicas em educação, de modo geral, não tem sido usado pelo ministério. Essa “baixa execução” pode influenciar no orçamento do ano que vem, uma vez que o Ministério da Economia tende a usar análise do que foi efetivamente gasto no ano anterior para a projeção orçamentária. E as despesas discricionárias, por não envolverem os gastos obrigatórios, sofrem os maiores impactos.

Em termos contábeis, esse tipo de despesa, quando orçada e não empenhada, fica como Restos a Pagar no ano seguinte. Na prática, diz o relatório Execução Orçamentária do Ministério da Educação (disponível acima), publicado pela Organização Não Governamental Todos Pela Educação, essa transferência de reponsabilidade para o orçamento do ano seguinte pode representar “mais despesa a ser paga do que o espaço financeiro” disponível.

Essa situação é nítida no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), cujo limite no orçamento é de R$ 2,8 bilhões. O problema é que “a soma da dotação não executada de 2020 (R$ 2,2 bilhões) com o saldo de Restos a Pagar (R$ 3,3 bilhões)”, superior portanto ao disponível para as despesas, implica escolhas ainda mais difíceis quanto ao uso dos recursos financeiros. O relatório mostra que o apoio financeiro do MEC à Educação Básica não trouxe “dinheiro novo”, mesmo com a aprovação de gastos acima do teto permitido pela legislação.

A não ser que haja um avanço expressivo no pagamento das despesas do orçamento aprovado para esse ano, o carregamento de RAP [Restos a Pagar] de 2020 para 2021 tende a ser tão expressivo quanto o de 2019 para 2020. Como base de comparação, no início de 2019, 16% do saldo de RAP era de despesas do ano anterior, enquanto, no início de 2020, esse percentual era de 78%.

De fato, o Ministério da Educação gastou 60% dos recursos empenhados até abril deste ano com o saldo de compromissos assumidos em 2019. É importante levar em conta que as despesas obrigatórias independem da atuação direta de gestores, uma vez que devem ser cumpridas. Já as despesas discricionárias dizem respeito à eficiência da gestão na aplicação dos recursos públicos em rubricas relacionadas, entre outras, a projetos e programas implantados pelo governo. Portanto, os números atuais mostram a ineficiência na gestão do MEC até aqui.

Para 2021, 42% do orçamento para a Educação dependem da liberação do Congresso Nacional porque estão sujeitos a créditos suplementares, tradicionalmente liberados na metade do ano. Estamos falando de E$ 48,9 bilhões, dos R$ 114,9 bilhões previstos. O Projeto de Lei enviado pelo governo condiciona os recursos à autorização do legislativo para a quebra da chamada Regra de Ouro do orçamento. Segundo ela, despesas assumidas pelo governo devem estar relacionadas ao aumento de receitas ou só serão efetivadas com autorização.

Universidades e Hospitais Universitários foram os maiores beneficiados pelos recursos provenientes dos créditos extraordinários autorizados até aqui em função da pandemia, ainda que tenham sofrido com cortes no orçamento desde 2014. E a Empresa Pública de Serviços Hospitalares (EBSERH), que administra os hospitais em universidades, é a única que tem garantida a dotação orçamentária de R$ 6,1 bilhões em 2021. As demais rubricas entram na condição de descumprimento da Regra de Ouro do orçamento.

Dois aspectos chamam a atenção nesse cenário: 1) sem estratégias claras nem uma coordenação nacional, o Brasil é um dos países em que as escolas ficaram fechadas por mais tempo durante a pandemia; 2) metade das instituições de pequeno e médio porte, que compõem 80% do setor privado, estão em risco de falência por causa do corte no volume de matrículas e é forte a tendência de migração de alunos para o setor público no ano que vem. O orçamento, portanto, é chave para dar conta dessa nova demanda. Seja na ampliação de vagas ou na aplicação de recursos tecnológicos.

Negligente, o Governo Federal protagoniza o desmonte do setor público na educação ao tratar o orçamento com desdém. Mais do que o discurso ideológico e militante de seus ministros, desde o início da gestão Bolsonaro, o que preocupa mesmo são as prioridades em uma área que deveria ser valorizada com a aplicação de recursos em políticas públicas para vencer as desigualdades. Discursos polêmicos têm mascarado as ações que realmente importam. E a política orçamentária diz tudo.

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