“Devemos ser estupidamente honestos neste momento”, aconselhou a pesquisadora do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do Departamento de Microbiologia do ICB-USP e PhD em microbiologia, Natalia Pasternak. Isso porque as promessas sobre uma vacina para o novo coronavírus com data marcada podem ser vazias diante do que se tem de concreto a respeito dos testes em andamento. Mesmo que todos os indicadores de eficácia sejam verificados, uma vacina pode ainda não ter efetividade.

Denise Garret, médica epidemiologista e vice-presidente do Instituto Sabin, organização dos Estados Unidos com a missão de expandir o uso de vacinas, faz questão de diferenciar os dois conceitos. A eficácia, segundo ela, diz respeito às respostas de imunidade que se pretende alcançar agora na terceira fase de testes, quando milhares de voluntários são monitorados em “ambiente controlado”. Já a efetividade está relacionada à cobertura da vacina e à redução de incidência de contágio quando distribuída e aplicada em massa.

Como complementa o coordenador da Plataforma Científica Pasteur e diretor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, Luiz Carlos Ferreira, uma vacina eficaz oferece segurança, no sentido de as pessoas imunizadas nessa fase não apresentarem sintomas graves em decorrência de sua aplicação. Mas a principal característica de sua eficácia está na resposta imune que ela oferece.

A Sinovac, por exemplo, produzida em parceria com o Instituto Butantã em São Paulo, demonstrou 98% de eficácia em idosos. Significa que 98 de cada 100 idosos imunizados e monitorados nessa fase de testes tiveram uma resposta imune positiva contra o vírus. Mas ainda não dá pra dizer se esse percentual, por exemplo, se efetiva quando aplicada em massa.

Os três especialistas participaram de uma conversa por videoconferência com jornalistas, promovida pela Agência Bori e o Instituto Questão de Ciência, para tirar dúvidas sobre vacinas da Covid-19. Trataram de muitas questões, mas as respostas para a quantidade de perguntas não couberam no pouco mais de uma hora em que estiveram online. As instituições promotoras estão preparando um curso específico para a formação de jornalistas nesse tema.

Diante do cenário em que estamos, algumas certezas são apontadas pelos pesquisadores. Uma delas é o fato de que as evidências até aqui mostram que o novo coronavírus não sofreu mutações estruturais significativas, o que favorece a formação de uma memória imunológica mais duradoura. Quer dizer, a tendência é a vacina ter uma duração mais prolongada quando estiver disponível, ainda que não se saiba o quanto.

Se comprovada a eficácia das vacinas em testes no momento, outra certeza é que as medidas de restrição social, o uso de máscaras e as orientações de higiene ainda vão ser necessárias. A fase de distribuição e aplicação em massa também precisa ser monitorada para se ter certeza de que não corremos mais riscos de contrair a Covid-19. Na chamada fase quatro, a última etapa da produção de vacinas, um sistema de vigilância é estruturado para avaliar o quanto se conseguiu reduzir da incidência do contágio. Sem essa verificação, não há como saber se a vacina efetivamente funciona.

Antes de chegar lá, entretanto, existem critérios estatísticos associados à eficácia vacinal. Na fase de testes em que estão as vacinas mais avançadas (fase três), o percentual de pessoas imunizadas é essencial para a análise. Por isso as vacinas estão sendo testadas em lugares de alta incidência, como o Brasil. A questão é que, mesmo assim, pode haver um número baixo de pessoas com resposta imune, o que invalida os cálculos e estende os testes até que se consigam números satisfatórios. Por isso, não há como prever quando teremos os resultados.

No momento, como enfatiza a pesquisadora Natalia Pasternak, é preciso deixar claro o que não se sabe, justamente para se evitar falsas expectativas e não promover ainda mais o descrédito da Ciência.

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