Sem saber, estudantes são avaliados por um sistema de Inteligência Artificial. À distância, professores orientam atividades em salas de 300 inscritos. Em casa, na tela do computador pessoal, chegam a alguns desses professores mensagens desagradáveis, comunicando a redução de horas contratadas ou a demissão. Institucionalmente desconectadas, essas práticas fazem parte do cotidiano de muitas escolas privadas, especialmente no ensino superior.
No mercado brasileiro da educação se tem usado a pandemia para forçar o uso de tecnologias digitais como forma de manter as atividades de aprendizagem e evitar uma evasão ainda maior de estudantes. Com a retração econômica e a suspensão das aulas presenciais, as instituições de ensino pequenas e médias que cobram mensalidade viram desabar o faturamento e as perspectivas de manter o negócio.
Em abril, a rede educacional Laureate foi denunciada por usar algoritmos para corrigir questões dissertativas e redações. De acordo com as orientações, os estudantes não deveriam ser informados sobre o procedimento e os professores deveriam estar disponíveis para justificar eventuais inconsistências. Trocando em miúdos, os professores deveriam assumir que corrigiram as questões e convencer os estudantes disso.
A farsa, bastante sofisticada, incluía simular o tempo de correção feita por um professor humano. As notas, portanto, eram publicadas dias depois como forma de escamotear a agilidade do sistema de Inteligência Artificial. Em nota (abaixo), a Rede de Educadores do Ensino Superior em Luta fez a denúncia, acolhida em reportagem pela Agência Pública.
Na esteira da pandemia, mais de 1,6 mil professores universitários foram demitidos só em São Paulo, de acordo com a mesma Agência Pública em outra reportagem. Os impactos no ensino superior são maiores, visto que 88,2% das instituições no país são privadas, como mostram os dados do último censo educacional (2018). As demissões fazem parte de um cenário econômico desfavorável, é verdade, mas dizem muito mais sobre um negócio em que formação e conhecimento são aspectos secundários. São as planilhas que contam.
Chovem denúncias dando conta de aumento exponencial na carga de trabalho sem compensações, comunicados de redução de horas sem contato com os responsáveis pela gestão escolar, descumprimento de ações garantidas na legislação e demissões arbitrárias. De fato, os professores tiveram de se adequar da noite para o dia a procedimentos nada familiares no cotidiano escolar e bancar a própria estrutura para manter o contato com os estudantes.
Poucas escolas consideraram a oferta de recursos digitais a professores e estudantes como parte da solução para suprir o distanciamento e garantir a continuidade dos estudos. Além disso, as estratégias de aprendizagem ficaram, via de regra, restritas ao ensino remoto. Como consequência, a pandemia só fez eclodir uma relação já desgastada entre a estrutura administrativa das instituições educacionais financiadas por acionistas, seus “colaboradores” e “clientes”.
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