Anúncio da correção de dados sobre a Covid-19 no Ceará

“Atenção (05/10/2020): Devido a otimização do algoritmo que unifica os laudos dos exames de casos em investigação de Covid-19, o boletim epidemiológico apresenta um acréscimo no número de casos confirmados e no número de casos descartados, referente a casos da doença no Ceará registrados entre março e setembro de 2020″, explica o portal de divulgação de boletins epidemiológicos de Covid-19 mantido pela Secretaria de Saúde do Ceará. Na verdade, entre os casos confirmados e os descartes anunciados, são 11,5 mil novos registros de Covid-19 contabilizados no estado.

Essa elevação nos números ainda é reflexo das mudanças nos critérios de notificação anunciados pelo Ministério da Saúde em junho. De acordo com os novos procedimentos para confirmação de casos da doença no país, pacientes com Síndrome Gripal ou Síndrome Respiratória Aguda Grave que apresentaram alterações em exames de tomografia podem ser incluídos na conta da pandemia, mesmo sem a realização de testes laboratoriais. O estado do Ceará “reviu” os registros para se ajustar aos parâmetros.

O problema com a mudança nos critérios é a constante variação nas referências para análise da Covid-19, o que dificulta a interpretação sobre o comportamento do vírus SARS-Cov 2 e as avaliações quanto às medidas mais eficazes para conter a pandemia. De acordo com o Índice de Transparência Covid-19, iniciativa da organização sem fins lucrativos Open Knowledge Brasil, não há padronização no monitoramento da doença e nem todos os estados fornecem microdados para reutilização em análises e pesquisas.

Desde o início da pandemia no país, no final de fevereiro, o Ministério da Saúde tem tomado medidas controversas, contribuindo para o apagamento de informações relevantes no monitoramento do vírus. Como fonte oficial de informação, o Governo Federal adotou diferentes critérios de registro, mudou a forma de divulgação dos dados, parou de convocar entrevistas coletivas periódicas para prestar esclarecimentos sobre a conduta no combate à pandemia, passou a desvalorizar o número de mortes provocada pela doença, além de contribuir para a desinformação sobre as medidas sanitárias.

Não por acaso, entidades da sociedade civil levaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos denúncia de que o governo brasileiro tem sonegado deliberadamente informações sobre a pandemia. O “apagão de dados”, segundo a denúncia, mostra a falta de atenção a populações vulneráveis e que estão sofrendo mais com a crise sanitária. De fato, o registro de casos por etnia, por exemplo, não é priorizado na coleta de informações. Só um em cada quatro casos confirmados de Covid-19 no país é registrado por raça ou cor, segundo a Open Knowledge Brasil.

Apesar de o ministério ter evoluído, ainda que tardiamente, na publicidade dos números sobre a Covid-19, incluindo comparativos com outras doenças respiratórias, a distribuição de leitos e equipamentos de proteção individual, a realização de testes e gastos públicos, os sistemas de coleta de dados ainda são um desafio para os gestores estaduais e municipais. Como não há uma coordenação nacional que oriente sobre as variáveis necessárias para o registro e o monitoramento da pandemia, cada município reúne os dados e as secretarias estaduais os compila seguindo critérios próprios.

Em Santa Catarina, por exemplo, no final do mês de agosto a Secretaria Estadual de Saúde também acrescentou novos casos não registrados adequadamente no monitoramento da doença. O algoritmo que organiza as informações no sistema de cadastro do Governo do Estado gerava a subnotificação por fazer interpretações equivocadas de duplicidade nos dados. A origem do problema, justificaram as autoridades, estava na inconsistência das informações fornecidas no cadastramento. Como resultado, 30,9 mil novas confirmações foram acrescentadas ao boletim epidemiológico em 31 de agosto.

A discrepância foi solucionada pela Superintendência de Vigilância em Saúde com a distribuição dos novos casos registrados de acordo com os próprios critérios de monitoramento. Santa Catarina adota, para efeito de acompanhamento, a data de início dos sintomas registrada no sistema. Quando não há esse registro, a opção é a data de cadastro. Assim, os mais de 30 mil novos casos foram diluídos na linha de tempo, apagando o equívoco de centralizar em um único dia dados erroneamente desconsiderados.

E não foi a primeira vez. No início de maio, a Secretaria de Saúde de Santa Catarina já havia feito uma correção na base de dados, eliminando registros duplicados. Cerca de um mês depois, o Ministério da Saúde deixou de divulgar os números do estado por conta de divergências no horário de fechamento do boletim diário. Relevante aqui é o fato de que as constantes correções e alterações no processamento dos dados sobre a pandemia no Brasil apaga rastros considerados importantes para as pesquisas e mina a confiabilidade das informações sobre as quais se tomam as decisões de enfrentamento à doença.

Organismos internacionais recomendam aos governos que os dados públicos estejam disponíveis a qualquer pessoa, tanto em plataformas abertas quando em bancos de dados nos quais os registros tenham como ser baixados e reutilizados estatisticamente em outras bases de consulta. É uma medida essencial de transparência em apoio à democracia e formas de inclusão, hoje amparada na Lei 13.460, de junho de 2017, que trata da defesa dos direitos do usuário do serviço público no Brasil. Além disso, pesquisadores dependem dos registros completos para entender o que está acontecendo no país e ajudar na implementação de políticas públicas de saúde.

Falta ao Brasil transparência e qualidade nos dados sobre a Covid-19.

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