Mulher negra, Antonieta de Barros é a responsável pelo dia de hoje no Brasil. João Goulart, o presidente “comunista” deposto por um golpe de Estado, é o responsável pela nacionalização das “comemorações” que o dia de hoje representa. Paulo Freire, outro “comunista”, é a personificação universal da generosidade e da capacidade intelectual voltada para a educação como política de acesso à cultura, à política, à potência da autonomia e das liberdades.
Três figuras “marginais” e tão importantes para o Dia do Professor. Significativo. Jornalista e professora, Antonieta de Barros é a negra brasileira na política. Eleita duas vezes, em 1930 e 1947, foi a responsável pelo projeto (Lei Nº 145, de 12 de outubro de 1948) que transformou em feriado o dia de hoje em Santa Catarina. Acesso à educação e formação profissional docente foram bandeiras de Antonieta ao longo de sua trajetória política. Ela mesma impedida de fazer curso superior por não ser homem nem branca.
Jango, 15 anos depois, ampliou o reconhecimento e fez do Dia do Professor feriado nacional. Enquanto presidente, João Goulart abriu caminho para debates amplos sobre um projeto de educação para o país, criou condições para se pensar o ensino público universal e investiu contra o analfabetismo, valorizando o método Paulo Freire, pautado na leitura de mundo como ato político de cidadania. Além disso, Jango criou oportunidades para a ampliação do ensino superior no país, depois encampada pelos governos militares.
Elevado a patrono da educação brasileira, Paulo Freire é hoje vítima da ignorância que sempre combateu com generosidade. Seu método de alfabetização era mais voltado a adultos e foi valorizado em um momento no qual cerca de 40% da população não tinha acesso à leitura e à escrita. Estamos falando de quase 30 milhões de pessoas em um país com pouco mais de 70 milhões de habitantes. Como educador, Paulo Freire dispensa apresentações e é contestado justamente por quem nunca entendeu sua obra.
Hoje, o professor parece bem representado por essas três figuras. Exerce uma função importante para a transformação social, o desenvolvimento econômico, a formação cultural e o estímulo à cidadania como atuação política. É um marginal, no sentido estrito do termo. Precisa ser controlado por uma ordem inventada, caracteristicamente judaico-cristã e fundamentalista. Nessa sociedade estúpida, o professor é contra a família do tipo papai-mamãe, contra os valores morais dos mais hipócritas e é um ser passional, partidário, esquerdista, comunista. Nada mais justo.
Se é para comemorar o dia do professor, que seja como Antonieta de Barros e Paulo Freire. Sim, o professor é contra todo esse movimento de retrotopia. Ou não é professor. Sejamos francos: não há curiosidade epistemológica, como diria Paulo Freire, no exercício bancário do be-a-bá da repetição e da memorização. Não há autonomia no decurso do achismo que sequestrou a História, desmereceu a Ciência, fundamentou o conteudismo superficial e as técnicas de vigilância como projeto de educação. Educação com “e” minúsculo.
Se é para ser “cuspidor” de livros didáticos, “sintetizador” de fonemas sem sentido, “trabalhador” sem direitos políticos, “engrenagem” em um sistema de commodities, é melhor fundar outra escola. Se hoje é um dia para ser valorizado, só existe essa possibilidade pela resistência. A resistência generosa que Antonieta de Barros e Paulo Freire deixaram como legado e que Jango, como político, teve o privilégio de reconhecer.
De resto, o Dia do Professor está mais para uma longa noite obscura.
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