A saída de Bolsonaro do poder é uma obrigação moral. Seja pela sua não reeleição ou, a via mais urgente, pelo impeachment, que existe para dar uma solução para situações em que haja um crime de responsabilidade. E deixar que brasileiros morram por opção política é sim suficiente para isso.
Epígrave de um cenário político no qual o presidente da República é a caricatura da estupidez e da ignorância, a afirmação não poderia passar despercebida em período de campanha eleitoral. Mas não veio de um candidato da esquerda mais radical, tampouco foi dita em horário gratuito de rádio e televisão, mais morno e desinteressante impossível. A frase é trecho de um artigo de opinião publicado hoje por Carlos Fernando dos Santos Lima, advogado e ex-procurador da República.
Vamos refrescar a memória. Carlos Lima foi um dos procuradores da Lava Jato de Curitiba, atuou sob a coordenação de Deltan Dallagnol e supervisão de Sérgio Moro em operações que coagiram o sistema político e ofereceram de bandeja o país para grupos oportunistas de ultradireita em nome do combate à corrupção. O título do artigo, “Desisto da polidez e boa educação. Fora Bolsonaro!”, é digno de qualquer cidadão de bom senso diante da ineficiência do governo nas áreas mais sensíveis para o atual momento, notadamente saúde, economia, educação e meio ambiente.
A gota d’água para o ex-procurador da Lava Jato foram as recentes declarações de Jair Bolsonaro, pondo em xeque a possibilidade de compra da vacina produzida pela empresa chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, mesmo se comprovada sua eficácia contra a Covid-19. É de se perguntar se a paciência de Lima esgotou-se por causa do fim da Lava Jato “promovido” por Bolsonaro, por conta da disputa eleitoral em que o ex-chefe Moro pode sair candidato ou até mesmo pelos constantes ataques a outro aspirante à faixa presidencial, o governador de São Paulo João Doria. Mas o fato relevante aqui é a afirmação contundente e pública, cujas razões para corroborá-la sobram em relação ao processo que tirou Dilma Rousseff da presidência.
Se não for para dar corpo e voz à resistência democrática e à luta antibolsonarista, a Frente Popular não tem sentido. Se não for para dar voz aos que resistem ao desmonte das instituições democráticas, qual a razão? Não se trata de eleger um prefeito, mas de dar um passo para travar a escalada fascista que é real e mata gente todos os dias, de covid, de fome, de bala, de preconceito e até de medo.
Há três semanas do pleito municipal, o jornalista Gastão Cassel faz uma provocação à Frente Popular que busca repetir a trajetória da coligação progressista de 1992, quando Sérgio Grando (PPS) foi eleito. Em seu perfil no Facebook, Gastão faz críticas à campanha de Elson Pereira (PSOL) e Lino Peres (PT), justamente por não assumir um discurso mais contundente contra a política bolsonarista, representada pelos principais adversários. O texto, intitulado “Carta aberta à Frente Popular de Florianópolis” (acima) foi escrito para uma plenária que se transformou, segundo Gastão, em “encontro festivo”.
Não se trata de uma questão meramente eleitoral nem de comunicação de campanha. Envolve um direcionamento político que não pode ser fragilizado em razão de discursos polidos e bem educados, sem a contundência necessária para demarcar contraposições políticas. Gastão Cassel esteve com outros jornalistas que acompanharam Sérgio Grando na trajetória da Frente Popular da década de 90 (Elaine Tavares e Samuel Lima, além de Raul Fitipaldi) em um debate promovido pelo portal Desacato (vídeo acima). A “radicalização” da campanha é vista como essencial para capitalizar a rejeição dos eleitores aos adversários da tradicional política oligárquica da cidade, o que passa por um discurso que evidencie a resistência ao fundamentalismo de cunho autoritário dominante e às políticas neoliberais na economia, entre outras questões.
Estratégica para as eleições majoritárias em 2022, a escolha de prefeitos e vereadores vai medir a temperatura dos arranjos políticos e as bases para a definição de candidatos em potencial à presidência da República. Bolsonaro, todos sabem, concorre à reeleição. Mas, mais que isso, o desempenho da Frente Popular que concorre agora em Florianópolis pode servir de exemplo diante da clássica divisão entre as esquerdas e entre os partidos progressistas, característica em todas as outras candidaturas municipais. Nesse caso, o discurso do lavajatista Carlos Lima está muito mais alinhado com um projeto político de resistência do que o assumido pela própria frente progressista de Elson e Lima.
Compromisso histórico, a Frente Popular de Florianópolis já tem um lugar de fala. Mas precisa falar.
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