Há oito dias, a média móvel de casos diários de Covid-19 em Santa Catarina é superior a dois mil, de acordo com os dados da Secretaria de Saúde. Como se sabe, a média móvel é um recurso usado pelos pesquisadores para compensar a alta oscilação nos registros, o que dificulta interpretações sobre o andamento da pandemia. Soma-se os registros diários em sete dias e divide-se o valor pelo número de dias somados. É uma média simples, mas eficiente para as análises estatísticas.
São necessários, no entanto, certos cuidados ao se verificar as informações disponíveis sobre os casos e muitas variáveis a se considerar. Boas referências deixam evidentes quais estão sendo usadas. A Secretaria de Saúde de Santa Catarina, por exemplo, utiliza como referência para a composição de seus boletins, a data de início dos sintomas. Essa escolha oferece uma perspectiva de análise mais coerente com o período em que efetivamente os casos registrados foram em maior número. Mas ao se olhar o gráfico, temos a falsa sensação de que os casos estão diminuindo.
Isso acontece porque os registros feitos hoje levam em conta uma variável de dias atrás. Vamos supor que tenhamos cem registros de casos feitos agora. O sistema de inteligência artificial usado na leitura dos dados vai buscar como informação o dia em que o caso confirmado foi diagnosticado com sintomas. E isso pode ter acontecido há uma semana, um mês, depende de diferentes fatores. Portanto, dos cem registros, praticamente nenhum vai contar no dia em que realmente foi adicionado no sistema, visto que os sintomas são sempre anteriores à confirmação dos casos.
Já o Ministério da Saúde utiliza como critério o dia do registro. Portanto, as informações cadastradas no sistema oferecem uma leitura mais coerente com as referências mais atualizadas, mas prejudicam as interpretações a respeito dos reais períodos em que a pandemia tem maior incidência. Quando olhamos um gráfico atualizado por estes critérios, temos a sensação de que o número de casos é maior ou menor agora. O problema é que os dados estão concentrados no momento da confirmação dos casos, não no qual esses casos efetivamente começaram.
A frequência dos registros também varia. Em alguns municípios, os registros levam muito tempo para chegar aos sistemas informatizados. Os de menor estrutura ainda usam a coleta das informações no papel e não conseguem atender aos levantamentos que precisam ser feitos em tempo real, ou não possuem infraestrutura de saúde para lidar com epidemias como a do novo coronavírus. Mesmo que esses municípios tenham uma população pequena e os casos não sejam tão frequentes, os dados importam. Se cerca de mil municípios enfrentarem essas dificuldades no Brasil, uma estimativa até baixa, estaríamos falando de um quinto do território brasileiro carente de informações atualizadas.
Apenas para efeito visual, no gráfico acima se pode perceber a importância de lidar com valores mais constantes na interpretação dos dados. Assim como em todo o país, Santa Catarina mostra uma oscilação bastante grande na quantidade de registros diários sobre a pandemia e a média móvel nos dá uma noção de como os casos estão variando a cada semana. Isso nos oferece a possibilidade de interpretar a constância da evolução da doença. No caso, o gráfico nos mostra que, em uma semana, não há tendência de queda no número de casos diários, uma vez que o patamar de dois mil registros diários se mantém estável e com possibilidade de se manter assim por um bom tempo. Se fôssemos avaliar pelo número de registros, especificamente, não teríamos como verificar a tendência.
No quadro abaixo, outras leituras podem ser feitas e diferem dependendo dos critérios usados na composição das informações visuais. Primeiro, é preciso destacar que nos três mapas o recurso usado para identificar o nível de risco foi a escala proposta pelo Harvard Global Health Institute. Ela é simples de calcular e nos dá uma ideia bastante clara, ainda que genérica, da situação de risco relativa ao novo coronavírus. A questão aqui é evidenciar que, mesmo usando um único método, os níveis de informação podem gerar percepções diferentes quanto ao resultado.
No mapa ao lado, vemos que Santa Catarina tem nível de risco alto para Covid-19, de acordo com os critérios usados pelo Harvard Global Health Institute. E esse índice se manteve durante o mês de novembro. Abaixo, o mapa com fundo escuro mostra o nível de risco por incidência de casos diários por município em Santa Catarina a partir dos registros do Ministério da Saúde, que conta o dia da inserção do dado no sistema (01/11). O outro mapa, com fundo claro, mostra o mesmo nível de risco, agora usando os dados da Secretaria de Saúde, que considera a data de início dos sintomas e não o dia do registro, quase duas semanas depois.
O método do Harvard Institute leva em consideração os casos diários de Covid-19 em relação a 100 mil habitantes. Ao avaliarmos a região Sul, Santa Catarina aparece como o único estado em risco alto de incidência, com 33 casos diários por 100 mil habitantes. Os números têm sofrido leve variação no estado, mas ao longo de novembro não baixaram de 25, o que mudaria o nível de risco. Os dados usados para o cálculo são os fornecidos pelas secretarias estaduais no dia do registro e, portanto, seguem os critérios do Ministério da Saúde.
Recortando um pouco mais a análise, reparamos que cada município de Santa Catarina contribui de maneira diferente para os números relativos ao estado. Usando os mesmos critérios do Ministério da Saúde (mapa com fundo escuro), cujos registros são contados no dia, vamos perceber que há um certo equilíbrio no nível de risco, com uma distribuição mais equitativa de municípios de moderado para baixo e de moderado para alto. Isso se deve ao fato de que os registros diários levam em conta a média de sete dias dos registros, cujo volume tem crescido desde o início de outubro no estado.
Já analisando o nível de risco a partir dos critérios da Secretaria de Saúde (mapa com fundo claro), os resultados são bem diferentes. No caso, a média móvel é de 14 dias, com o intuito de abranger o período de incubação da doença. Uma vez que os dados são distribuídos de acordo com a data de início dos sintomas, o número de registros cai, mesmo nos dias anteriores e que compõem a média. O efeito é fácil de entender: toda e qualquer variação nos registros feitos hoje diz respeito a pelo menos duas semanas atrás. Do mesmo modo, levando em conta os sintomas como referência, a tendência é que, daqui duas semanas, o mapa de hoje deve mostrar mais municípios com risco de moderado para alto do que agora. Mas seria necessário esperar duas semanas para refazer o mapa com os dados de hoje.
Por isso é tão difícil interpretar o que estamos vivendo agora. Não basta apenas olhar um mapa, um gráfico ou uma tabela para se ter uma noção correta do problema que enfrentamos. Os veículos jornalísticos têm se pautado no uso dos registros do dia para evitar a falsa interpretação de que a pandemia está desaparecendo. Não está. Além disso, outros critérios de análise dependem de tempo para aplicação de métodos estatísticos na construção de referências visuais. Mas é importante compreender que, independente do método e das variáveis usadas, não há indícios de que a Covid-19 esteja controlada no país.
Semanalmente, a Secretaria de Saúde de Santa Catarina emite um relatório de avaliação potencial de risco com base nos dados de que dispõe. É um documento voltado para os gestores de saúde e organizado por região em Santa Catarina. Não são as mesmas regiões definidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ainda que apresente similaridades. As regiões de Saúde do estado levam em conta a infraestrutura hospitalar e a logística de gestão, entre outros fatores. De acordo com o relatório mais atual, divulgado no dia 11, três regiões estão em risco gravíssimo: Xanxerê, Meio Oeste e Grande Florianópolis.
Para chegar a essas conclusões, a Central de Operações de Emergência em Saúde do estado avalia constantemente o número de mortes diárias por 100 mil habitantes, a variação do número de casos positivos e os casos ativos, os resultados de investigação e confirmação de síndrome gripal e a ocupação de leitos de UTI. Há um conjunto de variáveis bem mais amplo a ser considerado na análise e considera diferentes fatores, como o volume de registros no dia e a incidência por data de verificação dos sintomas. Esse nível de complexidade ajuda a dar melhores respostas, mas está sujeito às mesmas dificuldades quanto à qualidade dos dados inseridos no sistema.
Não por acaso, no início de maio, a Secretaria de Saúde de Santa Catarina realizou uma atualização do sistema, retirando centenas de registros considerados duplicados. No final de agosto uma nova atualização foi realizada e, desta vez, mais de 30 mil registros interpretados como duplicados foram confirmados e reinseridos. Nos boletins do governo estadual não há como identificar esses momentos porque, como já dissemos, os dados inseridos foram distribuídos ao longo do tempo em função da data de início dos sintomas. Mas, para o Ministério da Saúde, 31 de agosto registra um volume recorde de casos em Santa Catarina. Nem é preciso acrescentar que casos assim interferem diretamente na média móvel.
Em se tratando de números, o grande problema no acompanhamento da pandemia diz mais respeito aos critérios de registro, de inserção de dados nos sistemas informatizados dos diferentes níveis federativos responsáveis pela vigilância de saúde. Além da subnotificação, ainda um problema mesmo passados quase oito meses de enfrentamento da doença, não há uma coordenação nacional para uniformizar os registros, tampouco uma preocupação com as informações públicas, que deveriam estar ajudando a população a compreender as medidas sanitárias a serem tomadas. Por isso é importante considerar as fontes de informação antes de fazer afirmações e tentar entender os critérios usados para se chegar às conclusões.
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