Cinco partidos abocanharam 57% das prefeituras no país. O dado é significativo, visto que todos estão no espectro chamado centro-direita e ao menos dois deles apoiam declaradamente o atual presidente da República, Jair Bolsonaro. Isso diz muito sobre o cenário político atual, mas diz quase nada sobre as eleições majoritárias em 2022. Hoje temos a evidência de que os eleitores preferiram um conservadorismo mais, digamos, moderado, mais polido. E justamente aí estão as incertezas. Está aberta a temporada de negociações.
Em entrevista à Folha de São Paulo, ACM Neto, líder do DEM, disse a que veio. Setenta e quatro por cento maior do que em 2016 e com o Congresso Nacional na mão, o partido não faz qualquer menção de se opor à ultradireita e ao bolsonarismo. Em síntese, para ACM Neto a nova política envelheceu rapidamente e a esquerda não tem um discurso capaz de convencer os eleitores de seus projetos. Portanto, na lógica do DEM, considerado por analistas como o partido mais vitorioso no pleito municipal, a resposta está mesmo no centro, onde não há “radicalismos”.
Diz um trecho da entrevista concedida à jornalista Julia Chaib e publicada no domingo (29/11):
FSP – O DEM parece tomar um rumo diferente de partidos como o PP, que se alia a Bolsonaro. O sr descarta apoiá-lo?
ACM Neto – Se for o do extremo, for o radical, não estaremos com Bolsonaro.
FSP – E se ele não for?
ACM Neto – Tudo vai depender da postura que ele dará ao seu governo, do rumo que ele dará. Agora, qual governo nós vamos ter nos próximos dois anos eu ainda não sei. Eu não tenho bola de cristal.
As respostas do DEM são bastante claras. Não é preciso ter bola de cristal para saber como serão os próximos dois anos do governo Bolsonaro. Especialmente porque, até aqui, têm sido pífias as propostas de superar a crises sanitária, econômica e política. O governo se mantém firme na negação de tudo o que o afronta ideologicamente, sem qualquer tipo de diálogo. Internacionalmente, Bolsonaro perdeu todos os aliados a quem apoiou incondicionalmente, incluindo Donald Trump, com quem mantinha uma relação de subserviência. E as eleições municipais mostraram que sua base de apoio parece estar diluindo. Ainda assim, há sinais de que Bolsonaro pode não estar tão isolado quanto se imagina.
Segundo partido mais expressivo nessas eleições, o PP é mais explícito nas suas escolhas quanto ao pleito de 2022. O líder do partido, Ciro Nogueira, também comemorou o que chama de “a volta da boa política”. É uma alusão ao fato de que candidatos tradicionais, com histórico político, saíram vencedores na maior parte dos municípios. PP e DEM concentram agora a disputa da presidência da Câmara dos Deputados, o que pode definir os rumos do governo no que diz respeito às reformas neoliberais do ministro da Economia Paulo Guedes. O DEM, como vimos, se posiciona estrategicamente como uma legenda disposta a negociar em seus termos. Já o PP é explícito:
Também em entrevista à Julia Chaib (21/11), da Folha, Ciro Nogueira responde:
FSP – O PP está fechado com o presidente em 2022?
Ciro Nogueira – Olha, eu tenho certeza da reeleição do presidente. O PP está fechado [com ele] em 2022. O PP tem um histórico de fidelidade aos projetos políticos dos quais faz parte. Como é que a gente vai explicar que vai participar do governo Bolsonaro e na véspera vai trocar de candidato? E o presidente para perder a eleição vai ter de mudar o maior dos paradigmas quanto a isso. Nunca um presidente perdeu a reeleição. Teria de ser uma tragédia muito grande. Mas as pessoas votaram nele sem conhecer a gestão Bolsonaro. Agora as pessoas vão conhecer. Então, é fundamental que ele traga estabilidade à gestão dele, que tenha resultados na gestão. E eu acho que esses partidos de centro dão essa estabilidade.
Cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas, Francisco Fonseca levanta uma questão interessante. É preciso, diz ele, separar a agenda comportamental do presidente da agenda econômica do governo. Isso porque os partidos de centro-direita, especialmente os do chamado centrão – bloco do qual o PP é líder, apoiam os projetos neoliberais conduzidos por Paulo Guedes. Portanto, as atitudes erráticas do presidente podem ficar em segundo plano se houver consenso sobre as reformas propostas pelo governo. E um partido aliado na presidência da Câmara seria mão na roda. Além disso, os resultados desta eleição oferecem capital eleitoral para a disputa presidencial. O número de prefeitos diz muito sobre o poder de barganha para 2022.
É por isso que as esquerdas parecem ter saído das eleições municipais com maior prejuízo. Houve quase nenhuma articulação em torno de um projeto que pudesse sustentar uma candidatura forte para concorrer à presidência da República. O PT perdeu em todas as capitais que disputou. O PSOL e o PCdoB não foram capazes de reverter a disputa com partidos tradicionais em São Paulo e Porto Alegre. Na capital gaúcha, inclusive, se registrou o maior índice de abstenção do país. Um terço do eleitorado não compareceu às urnas. Somadas as abstenções, os votos brancos e nulos, há mais eleitores do que os que escolheram Sebastião Melo (MDB) para governar a cidade. Mas, assim como ao bolsonarismo, as eleições municipais não decretaram o fim do PT ou de uma possível aliança de centro-esquerda.
Entre as cidades com mais de 200 mil habitantes, o PT conquistou sete. Isso pode parecer pouco, mas representa quase o dobro de 2016. O Progressistas, por exemplo, abocanhou oito. Manuela Dávila e Guilherme Boulos parecem ter conseguido mobilizar uma militância de esquerda adormecida e mostrar uma cara diferente para partidos demonizados pela direita conservadora. O antipetismo continua sendo, ao que parece, o ponto de represamento para uma possível virada. Experiências como as de Florianópolis, que conseguiu reunir em torno de um nome fora da legenda mais representativa das esquerdas partidos progressistas, parecem promissoras. Mesmo com a derrota ainda em primeiro turno para Gean Loureiro, do DEM.
Para o cientista político Fernando Abrucio, também da FGV, o que a campanha eleitoral deste ano trouxe como lição é que, independente do espectro político, as pautas sociais e a preocupação dos candidatos com os problemas da vida cotidiana parecem ter aglutinado os votos. Os candidatos bolsonaristas pautaram a campanha em questões ligadas aos costumes e à segurança pública. Isso talvez ajude a explicar o fracasso deles nas urnas. Mais do que o apoio do presidente. Nos próximos dois anos, para boa parte dos cientistas políticos, a economia, o fisiologismo e o pragmatismo vão definir se Bolsonaro terá ou não chances de reeleição.
Se comparados os dados das eleições de 2016 e 2020 (tabela abaixo), fica evidente o crescimento do capital eleitoral do chamado centrão. Destacados os cinco melhores resultados de 2020, que juntos conquistaram 3.107 prefeituras, percebe-se que houve mudanças significativas no desempenho individual dos partidos. Apenas o DEM tomou o lugar do PSB como o quinto partido com mais candidatos eleitos. Contudo, o balcão de negociações mais eficiente da política brasileira está como sempre esteve. Com o MDB e o PSDB desidratados, o jogo fica ainda mais obscuro. Não esqueçamos que entre 2016 e 2020 houve um processo de impeachment contra uma presidenta da República. Processo no qual os partidos com capital eleitoral foram atuantes ao virar a casaca. As apostas estão abertas.
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