Pandemias são instáveis. É de se esperar que as soluções para enfrentá-las também sejam. A de Covid-19, em especial, traz um componente inusitado: quase nada se conhece sobre a doença, passado quase um ano de sua evidência. Mesmo a Ciência Médica diverge em certos pontos porque as análises dependem de variáveis nem sempre controláveis, o que interfere nos resultados. Há questões, no entanto, indiscutíveis. Politizar as incertezas só serve para perpetuar a transmissão do vírus em escalas cada vez maiores.

Desde meados de outubro, Santa Catarina acompanha um crescimento exponencial de casos. Os negacionistas podem não aceitar, mas as evidências são claras. Dois feriadões seguidos e flagrantes de aglomerações constantes, incluindo alguns casos nas eleições municipais, resultam em uma média diária de casos 82,4% maior agora do que em 15 de outubro, quando se constata o início de uma curva sempre crescente. A média de mortes, no mesmo período, teve um crescimento similar, de 79,6%. Essa é a conta do afrouxamento das medidas sanitárias que ainda deveriam vigorar.

Mas a Assembleia Legislativa do estado parece não estar convencida da dívida contraída na saúde pública nesse mês e meio. Ontem (02/12), quando o Centro de Operações de Emergência em Saúde anunciava o nível de risco gravíssimo em 15 das 16 Regiões de Saúde e o governador Carlos Moisés decretava medidas mais drásticas para diminuir a curva de contágio, os deputados estaduais aprovavam um projeto de lei que descumpre todas as recomendações sanitárias feitas por especialistas.

Em sessão recheada de casuísmos e declarações baseadas em referências genéricas, a maioria dos deputados concordou com o projeto de lei (182/2020) que estabelece a educação como serviço essencial durante a pandemia e autoriza a retomada das aulas presenciais em todos os níveis de ensino. A questão foi inserida na pauta através de um artifício parlamentar, visto que não constava do projeto original e foi incluída às pressas para a votação. Junto com outras atividades consideradas essenciais, como serviços de saúde, funerários e de transporte, os serviços educacionais estariam liberados, desde que “cumpram as medidas sanitárias”.

O Ministério da Educação havia, um dia antes, decretado a volta às aulas nas instituições públicas federais de ensino superior, mas teve de voltar atrás. A reação de reitores e a desarticulação dentro do próprio ministério foram determinantes para a retirada do decreto. Em Santa Catarina, os autores e os defensores do projeto de lei argumentam que não há evidências de que escolas fechadas contribuam para a diminuição de contágio, que as crianças oferecem menos risco de contágio, que há estudos mostrando a necessidade de se retomar as atividades, entre tantas generalidades usadas neste momento agudo da doença para justificar a negação das únicas medidas seguras que conhecemos. Mas os dados contradizem a decisão tomada.

Comparação de níveis de risco

Para interagir com os mapas, basta movimentar a barra que os divide. À esquerda, mostramos os níveis de risco por município, segundo o Harvard Global Health Institute e à direita o mapa de potencial de risco por região de saúde atualizado semanalmente pelo Centro de Operações de Emergência em Saúde do governo estadual. Abaixo, a tabela mostra os índices usados para definir o potencial de risco. Para maiores explicações, consultar aqui.

Alertas não faltaram. Quem tem acompanhado os boletins diários da Secretaria Estadual da Saúde e os relatórios periódicos do Centro de Operações de Emergência em Saúde percebe com clareza a dimensão do problema. No mês de novembro, as regiões de saúde em Santa Catarina foram ganhando pouco a pouco o vermelho do nível gravíssimo de atenção. E os critérios, como têm sido enfatizados aqui, levam em conta a letalidade por habitantes, as condições estruturais de atendimento aos casos graves, as taxas de transmissão, são muitas as variáveis negativas para se chegar à condição em que estamos. Contudo, independente de como os dados são relacionados, não há como negar: Santa Catarina está na situação de maior risco desde que a pandemia começou.

Como forma de ilustração, usamos dois mapas sobrepostos (imagens acima) para a comparação dos resultados a partir de critérios diferentes. O mapa dividido mostra à esquerda os níveis de risco por município com base no número de casos por 100 mil habitantes, como propõe o Harvard Global Health Institute (HGHI), que adotamos para o acompanhamento diário da pandemia. Os dados utilizados para a composição do mapa são os fornecidos pelo boletim epidemiológico da Secretaria Estadual e consolidados pelo Ministério da Saúde. Os registros são considerados na data em que entram no sistema, somados nos últimos sete dias e divididos pelos dias somados, para que cheguemos à média móvel no período. O resultado, por município, é dividido pela população e multiplicado por 100 mil para alcançarmos o nível de risco.

À direita, a imagem mostra o mapa divulgado pelo governo do Estado no relatório de potencial de risco atualizado semanalmente. Tem por base as regiões de saúde, organizadas a partir da estrutura hospitalar e de atendimento a grupos de municípios próximos. Para interagir, basta arrastar a barra para a esquerda ou para a direita na imagem e comparar os dados. Diz o relatório publicado ontem (02/12):

Todas as regiões do estado estão em risco potencial Gravíssimo ou Grave para COVID-19. Quinze regiões do estado encontram-se em nível GRAVÍSSIMO de risco para COVID-19. Com exceção das regiões do Alto Uruguai Catarinense e Foz do Rio Itajaí as demais regiões estão classificadas com o nível Gravissimo (sic) pela segunda semana consecutiva.

Podemos perceber uma similaridade entre os dois mapas. Os municípios em situação de risco mais amena estão concentrados mais ao Oeste. A questão crucial aqui é a evidência de que, mesmo usando dois critérios diferentes para verificação e análise do potencial de risco, os resultados são muito semelhantes, especialmente se levarmos em conta os municípios mais populosos e que concentram a estrutura de saúde no atendimento aos vizinhos da região a que pertencem. A “capacidade de atenção”, que diz respeito à estrutura de saúde, impacta mais na avaliação do governo do Estado porque o potencial de risco é usado como instrumento de gestão para o controle sanitário. Por isso, esse foi o fator de maior influência para baixar o nível de risco na única região com potencial mais baixo, a do Extremo Oeste.

Um outro mapa que pode nos ajudar a compreender como o vírus tem se comportado em Santa Catarina é o que mostra, em uma semana, o número de registros diários por região (gráfico acima). Quanto mais escura a cor, maior o número de casos no dia. É importante notar que, quando se fala em total de casos, o registro de mortes também está incluído. A Grande Florianópolis tem mostrado maior incidência, em contraposição ao Extremo Oeste, região avaliada com menor potencial de risco pelo governo estadual. Percebe-se também que no dia 28/11, um sábado, o volume de registros é maior na maioria das regiões.

No acompanhamento diário da pandemia, essa oscilação diz respeito a fatores muito diferentes. O gráfico revela que, no dia seguinte à alta nos registros, a maioria das regiões também mostram o volume mais baixo na semana analisada. Interessa, nesse caso, perceber que as regiões com maior volume de registros diariamente na semana têm as maiores médias. É pela média móvel em sete dias que se faz as análises que determinam maior ou menor rigor nas medidas sanitárias. Por mais que se queira justificar a retomada das atividades econômicas, os resultados em quaisquer tipos de análise nos dão outra perspectiva.

Observatório de Síndromes Respiratórias: as taxas de transmissão voltam ao patamar de risco

De acordo com o Observatório de Síndromes Respiratórias da Universidade Federal da Paraíba, as taxas de transmissão em Santa Catarina (gráfico acima) também estão em alta. De acordo com os dados, cada 10 pessoas no estado infectam 12. Confirmando as leituras feitas com base na média de casos, o aumento das taxas de transmissão coincide com o período em que houve maior relaxamento quanto às medidas de isolamento social mais severas. Depois de uma queda significativa, em meados de setembro as taxas começam a subir e em outubro voltaram ao patamar de risco, quando assumem valores acima de 1 (um).

A Região Sul do Brasil, em especial Santa Catarina, não está em momento de negligenciar as medidas sanitárias que ainda são eficientes para o controle sanitário. Uma decisão como a da Assembleia Legislativa não leva em conta os níveis de risco evidenciados aqui. Níveis, aliás, que estão ficando mais agudos. A volta às aulas, por exemplo, num momento de alto risco como o de agora, a poucos dias do final do ano letivo e sem levar em conta formas de proteção a professores, técnicos e familiares dos estudantes – estes também em risco potencial, apesar dos discursos desinformados em contrário – não traz qualquer benefício. Nem mesmo para a economia.

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