De origem latina, o termo afeto significa disposição. Também diz respeito ao objeto de afeição, àquilo para o qual voltamos nossos sentimentos. Um ato de afeto, portanto, não se resume a manifestações de carinho, como aprendemos pelo senso comum. É também um ato de influir sobre algo, de fazer algo a alguém. O afeto, em sentido etimológico, não se assume antecipadamente com quaisquer juízos de valor, especialmente moral. Quer dizer: as manifestações de afeto são também afetadas pelos níveis de relação entre os entes envolvidos.

No dia em que o planeta demarca a Educação no calendário e inscreve a importância de fazermos uma reflexão sobre o tema em nosso cotidiano, cabe perceber a falta de afetos nos processos de formação em determinados âmbitos e cenários. Em boa parte, nossas salas de aula são atravessadas por sonhos, perspectivas e resultados homogêneos; nossas relações socioculturais são invadidas por hábitos individualizados de consumo, especialmente em busca de certificados e diplomas que se somam como pegadas de uma trajetória sempre em trânsito. Os papéis que simbolizam o “fim” de um determinado percurso são objeto de desejo em si mesmos. Interessa alcançá-los, não vivenciar o caminho percorrido até eles.

Se poderia reunir dados, organizar números, evidenciar aspectos técnicos, citar os cânones sobre os quais a Educação se sustenta enquanto ciência e filosofia. Se poderia ainda analisar cenários, inclusive os mais distópicos, para por em crise o momento em que estamos. Ou, indo mais adiante, instigar o quanto a Educação foi impactada pela necessidade de distanciamento físico imposto por uma pandemia que, a despeito de todos os alertas, ela própria, a Educação, negligenciou. Mas é preciso reforçar que o afeto ainda pode ser o ponto de sustentação de uma ruptura com os modelos tecnocráticos, excessivamente controlados e fundamentados quase que exclusivamente em conteúdos, característicos de nossos sistemas de aprendizagem no Brasil.

Ter disposição é essencial para a aprendizagem. E há um sentido material nisso. As condições econômicas e sociais dizem muito sobre a Educação. Mas há um sentido simbólico muito mais profundo a ser considerado. É preciso dispor de tempo livre, de ideias sobre horizonte possível – esse possível escondido por trás de uma realidade construída por quem controla o tempo e reduz o horizonte a pontos determinados numa linha sem visões periféricas. É preciso também aceitar a multivocalidade – vozes alocadas em corpos diversificados -, a multiculturalidade, a multilateralidade dos conceitos e das narrativas que usamos para aprender.

A falta de afetos na Educação reduz o espaço, desloca o fluxo de descobertas para o obscurantismo, nega o conhecimento pela contemplação em detrimento da especulação pelas crenças. Afficere – influir sobre algo, fazer algo a alguém -, berço do affectus, faz do carinho, da demonstração de apreço um gesto amplo e coletivo, de incentivo, de estímulo. É no gesto social, mesmo com distanciamento físico, que a Educação se fortalece. A inovação dos processos educativos está no afeto, não na tecnologia que o instrumentaliza.

Hits: 2

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *