Tendo a concordar com Fernando Gabeira. O jornalismo precisa voltar a mediar o debate público para qualificar nossa consciência social sobre os problemas que enfrentamos.

Ao analisar o último debate dos candidatos à presidência da República promovido pela Rede Globo de televisão antes da eleição em segundo turno, Gabeira foi na jugular. A excessiva liberdade dos postulantes ao cargo de mandatário do país na condução da pauta transformou o evento político em entretenimento.

Basta uma visita rápida às redes sociais para constatar o tom de torcida organizada nos comentários sobre quem foi o “vencedor”. E debate não é disputa, não no sentido de verificar quem “lacrou” mais ou quem mentiu menos.

Cabe aqui um parêntese: há motivos para torcer porque estamos no limite entre democracia e autocracia. Mas não se trata exclusivamente de vestir verde e amarelo ou vermelho nem determinar que costumes queremos impor a todos.

Ao trazer o jornalismo para o centro do debate, Fernando Gabeira acende uma fagulha não compartilhada pelos colegas de bancada, todos jornalistas. Não dá para o jornalismo fazer de conta que a mentira, a desfaçatez e o discurso tóxico são meramente uma questão moral.

Já comentamos aqui que a imprensa tradicional elevou o “calhau” às manchetes políticas ao dar espaço para falas descontextualizadas, na linha do discurso “lacrador” usado como destaque e complementado pelo clássico “diz fulano”.

Ouvir, interpretar, apurar, buscar o contraditório são competências cada vez mais raras no cotidiano jornalístico. Mais por determinação de quem investe nos veículos informativos do que pela intenção dos profissionais sérios.

Não por acaso vemos crescer exponencialmente projetos de jornalismo independente. Para o bem ou para o mal, as oportunidades geradas pelo acesso a tecnologias digitais e formas alternativas de financiamento impulsionam a indústria da informação.

O problema está na reprodução do modelo característico das mídias sociais para o cenário jornalístico da cobertura diária. Notícia não é mais encarada como o elo entre conhecimento social e opinião pública. Virou mais um discurso vazio na pulverizada rede digital de crenças ideológicas.

Faltam sinalizações na encruzilhada, aquele momento em que os argumentos nos dão um sentido de direção, nos impulsionam em um determinado caminho. Falta o jornalismo que amplia as vozes a serem ouvidas, sem falsas simetrias.

Falta o jornalismo que expõe contradições para dar oportunidade de escolha consciente a quem deseja saber das coisas. Falta o jornalismo que busca equidade ao incluir diferentes segmentos da sociedade no debate.

A ausência do jornalismo percebida por Gabeira no embate eleitoreiro, rasteiro e sem consistência promovido pela Globo às vésperas do segundo turno do pleito entre democracia e autocracia não é um ato falho. Tampouco está circunscrito a formatos.

Há tempos o flerte do jornalismo com o entretenimento tem descaracterizado o que a profissão construiu como legado. Uma coisa é usar linguagens que alcançam públicos específicos. Outra coisa é fazer disso um modo de embrulhar informações relevantes sem o rigor do método que qualifica nosso senso sobre a realidade.

A arena encenada na TV, em qualquer debate e especialmente nos de cunho político, diz muito sobre a esfera pública que estamos alimentando. Sem protagonismos, o debate público é terra de ninguém. O jornalismo precisa assumir seu lugar na História.

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